A Constituição Federal deveria ser o livro de cabeceira de todo cidadão brasileiro, consciente de sua cidadania e de seus direitos e deveres. Basta ver sua introdução: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacifica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte constituição da República Federativa do Brasil.” Era como se uma nova nação estivesse sendo fundada, porém o principal ficou somente no papel.
Em seu artigo 1º, parágrafo único, a Constituição de 1988 estabelece que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes diretos ou indiretamente”. Entretanto, o que constatamos? Grande parte dos políticos que nos representam se preocupam em exercer o poder em nosso nome ou em seu nome particular? É verdade que aqueles políticos que se beneficiam de seus cargos em detrimento dos eleitores estão errados e não devem ser reeleitos. Contudo, nós eleitores também temos responsabilidade porque muitas vezes nós os elegemos e os reelegemos. Ter consciência e ficar indignado não são suficientes. É preciso ação, mobilização.
A opção por ficar silente não pode mais ser admitida como simples omissão, porque se trata, na verdade, de cumplicidade. E a esse respeito, a frase de Martin Luther King continua mais atual do que nunca: “O que mais me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-ética. O que me preocupa é o silêncio dos bons”.
A Constituição também diz que “todos são iguais perante a Lei”. Mas parece que alguns são mais iguais que os outros. Basta perguntar: como é julgado o cidadão comum e como é julgado quem tem direito a foro privilegiado? Um peso, duas medidas.
Há outros questionamentos necessários: os governantes estão construindo uma sociedade livre, justa e solidária? Estão garantindo o desenvolvimento nacional? Estão erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais? Estão promovendo o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação? Deveriam, porque tudo isso são mandamentos constitucionais, esculpidos nos artigos os 3º, 5º e 43º. E ninguém pode alegar ignorância.
Quanto aos tributos, o descaso é igual. A Carta Magna é bem clara em seus artigos 151 e 165. Proíbe a União de Instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País. Exige o estabelecimento de plano plurianual projeto de lei orçamentária acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Além disso, tudo deverá ter entre suas funções a redução das desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.
Nada disso é realidade. Para piorar, a carga tributária foi elevada em cerca de 40% depois da Constituição de 1988, sem que a população recebesse os benefícios correspondentes ao aumento da arrecadação. Nossa população é vítima do gigantismo da máquina pública, pois 42% dos tributos arrecadados são destinados somente para pagar o funcionalismo. Professores e profissionais do ensino, médicos, dentistas e todos os demais profissionais da saúde, inclusive e com o destaque para enfermagem perdem prestígio no serviço público. Parecem todos condenados à baixa remuneração, não obstante o Brasil gastar cerca de 13,4% do PIB com servidores, muito mais que a média (9,8%) dos 38 países membros da – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os serviços essenciais estão muito aquém das necessidades nacionais. A educação pública é precária (como mostram os índices mundiais), temos um déficit de 6 milhões de unidades habitacionais, as grandes cidades enfrentam grave problema de favelização, e o saneamento básico ainda é incipiente. Os índices de criminalidade dizem tudo sobre a segurança pública e a saúde, apesar do excelente trabalho do SUS, comprovado durante a pandemia, ainda não é satisfatória.
O Brasil é um País que arrecada muito e gasta mal. Jamais será uma nação socialmente justa se insistirmos em não cumprir o que manda a Constituição, ainda que ela não seja perfeita. É a segunda maior do mundo – perde apenas para a da Índia – e a mais modificada de nossa história, com 111 emendas em apenas 33 anos de vigência.
Há uma essência a ser observada e ela está nos princípios da República, cujo aniversário acabamos de comemorar e que precisamos resgatar com urgência. Com tantos privilégios para tão poucos, nos encontramos hoje mais próximos da Monarquia politeísta do que da verdadeira República. O Brasil necessita definir qual caminho quer seguir.