O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, surpreendeu a todos durante evento no Dia da Terra, comemorado naquele país no dia 22 de abril, ao apresentar a proposta de que as nações remunerem o Brasil como forma de evitar o desmatamento na floresta amazônica.
“O que deveríamos estar fazendo é pagar os brasileiros para não derrubarem suas florestas. Tivemos que derrubar as nossas. Recebemos os benefícios disso. (…) Os países industrializados têm de ajudar”, afirmou Biden.
O discurso do presidente da mais rica e poderosa nação do mundo é histórico e pode ser o ponto de partida para uma mudança radical na forma como a comunidade internacional trata a questão da conservação da floresta tropical da Amazônia.
Sinaliza importante alteração de tom na própria política norte-americana em relação a mais vasta floresta tropical do mundo e maior banco genético do planeta. Basta lembrar o que disse Al Gore quando era vice-presidente dos Estados Unidos: “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”.
Ainda que se possa ponderar, interpretando a frase de Al Gore apenas como uma preocupação acerca dos efeitos para o mundo na hipótese de descaso do governo brasileiro com a conservação ambiental, não é desarrazoado se enxergar na frase certa ameaça à soberania nacional sobre a região.
A “internacionalização” da Amazônia é tema recorrente, e a questão é alimentada há décadas pelo posicionamento de vários líderes mundiais. Os próprios norte-americanos já se posicionaram de maneira muito contundente a respeito, como fez o então secretário de Estado Henry Kissinger: “Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Terão de montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intentos”.
Se Joe Biden levar adiante sua proposta, abandonando a ideia de pressões e constrangimentos, estará inaugurando uma nova etapa de conscientização mundial sobre a Amazônia. A preservação da floresta é imprescindível, não apenas por questões climáticas, mas igualmente por razões econômicas.
Como defendi em meu livro “Brasil, país à deriva”, esse é um processo complexo, que depende da contribuição da comunidade internacional, especialmente dos países ricos, justamente os que mais reclamam medidas conservacionistas.
A comunidade internacional precisa entender que a preservação não se faz com doações esporádicas ao governo e aos estados brasileiros, tampouco com a realização de congressos e seminários ou com a publicação de livros sobre o tema; atitudes importantes, porém insuficientes.
O incentivo às atividades econômicas ambientalmente responsáveis é o melhor contributo possível para a preservação da Amazônia, nosso patrimônio nacional, alvo constante da cobiça estrangeira. Biden parece começar a entender a necessidade de novo enfoque à questão.
Tal posicionamento abre o debate, fundamental para a evolução de propostas que, respeitando a soberania brasileira, contribuam para estimular a conservação dessa área cuja extensão representa mais de um terço da soma de todas as florestas do mundo e onde se concentra mais de um quinto da disponibilidade de água doce do planeta.
Vivemos sob uma ideologia nascida em contraposição aos erros do passado, que preconiza a intocabilidade dos recursos naturais do solo e subsolo amazônico. Consolidou-se a sensação de que o povo amazônida é o único responsável pela manutenção do bem-estar do planeta. Dele exigem-se enormes sacrifícios para benefício mundial, dando-lhe muito pouco em troca, condenando-o a uma vida pobre e sem perspectivas.
O Brasil precisa fazer a sua parte, combatendo o desmatamento, a exploração ilegal e o contrabando de madeira e de recursos minerais, controlando a pecuária expansiva e estimulando atividades econômicas sustentáveis como o ecoturismo, a exportação de peixes e frutas exóticas, gerando e comercializando créditos de carbono, tornando a população amazônida parceira na conservação da floresta e na divisão dos resultados econômicos, de forma a lhe proporcionar vida mais digna. Em artigo escrito juntamente com o jurista Ives Gandra da Silva Martins e publicado em janeiro de 2000, já havia um sério alerta sobre isso. No entanto, mais de duas décadas depois, constata-se que nada foi feito para dar nova perspectiva de vida para o povo da floresta, para os indígenas, para os ribeirinhos, para a população do Amazonas, garantindo também o desenvolvimento sustentável da região.
Todos os governantes do país, após a promulgação da Constituição de 1988, ignoraram solenemente a Amazônia. Recusaram-se a seguir os exemplos dos presidentes Juscelino Kubitschek (criação da Zona Franca de Manaus) e Castelo Branco (“Integrar para não entregar”), ambos com metas bem definidas para a região. Ademais, não entenderam que é impossível preservar a floresta apenas com palestras, conferências, entrevistas, decretos, leis e polícia.
Mais do que debates e discursos, a floresta e toda a região na qual está inserida, com seus 3,88 milhões de km2 e mais de 18,6 milhões de habitantes, requerem políticas públicas, planejamento e visão estratégica, sem a miopia embaçante que já atravessa décadas.
Em nada contribui para a preservação amazônica a manutenção da concentração econômica no Sudeste e Sul do país, alimentada com renúncias fiscais da União que beneficiam as regiões mais desenvolvidas e deixam à míngua o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, cada vez mais dependentes das transferências do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios. Situação agravada pela recente decisão do governo de reduzir o IPI, com consequente queda de receita para estados e municípios e perda de competitividade das empresas do polo industrial de Manaus.
É imprescindível o respeito à vontade dos constituintes que formalizaram ser “mantida a zona franca” e garantidas e preservadas as vantagens comparativas à região.
São intoleráveis a falta de visão, a negação da Constituição, a ausência de plano de governo, federal e estadual, definindo mudança da matriz econômica de modo a reduzir a absurda dependência dos incentivos fiscais federais e inserir a população de todos os 62 municípios do estado do Amazonas, condenados pelas atrofias demográficas e econômicas do Brasil, responsáveis por fazer dos habitantes da Amazônia cidadãos de segunda classe. Tudo acentuado pela perseguição preconceituosa e permanente contra a Zona Franca e o estado do Amazonas, e não a favor do Brasil.
Joe Biden enxergou o caminho. Abriu uma picada na mata fechada em busca da saída de um problema que não é somente brasileiro, mas cuja conta recai apenas sobre nós. Finalmente a comunidade internacional parece começar a entender que exigir a preservação a custo zero não funcionou e que os países ricos e desenvolvidos do G7 precisam pagar ao Brasil pela conservação da floresta amazônica, com base na totalidade da área preservada, não de forma parcial. Que os deuses da floresta ajudem o presidente norte-americano a sensibilizar outros líderes mundiais.